Segurança Pública, Privada e Pessoal
“A guerra deve acontecer, enquanto estivermos defendendo nossas vidas contra um destruidor que poderia devorar tudo; mas não amo a espada brilhante por sua agudeza, nem a flecha por sua rapidez, nem o guerreiro por sua glória. Só amo aquilo que eles defendem” - J. R. R. Tolkien
O Conceito de Segurança Pública
Não raramente, a definição de Segurança Pública é confundida ou até mesmo deturpada de modo a dar espaço para todo tipo de narrativa. Sendo assim, é importante que se observe como o conceito de Segurança Pública vem sendo colocado há centenas de anos pelas sociedades de diversos países e qual o seu real objetivo.
O Conceito de Segurança Pessoal e Pública nos Tratados Internacionais
Inicialmente serão esquadrinhados os tratados internacionais que, desde os séculos
passados, já vinham instituindo tal conceito.
- Declaração de Direitos da Virgínia de 1776: Anterior a Declaração de Independência dos Estados Unidos também em 1776, a Declaração de Direitos da Virgínia elaborada no contexto da guerra de independência americana que colocou fim ao vínculo colonial entre as treze colônias americanas e a Inglaterra, estabelecia logo em seu primeiro artigo que ‘todos os homens nascem igualmente livres e independentes, e têm direito a liberdade, a vida, a propriedade, de procurar obter a felicidade e a segurança’. Nota-se nesse documento histórico o papel do Estado que existe para garantir, em primeiro lugar, a liberdade. Portanto, com isso em mente, se um projeto de Segurança Pública é baseado no conceito de restrições à liberdade de um cidadão obediente às leis, tal projeto já foi concebido de forma inexata.
- Declaração Universal dos Direitos Humanos: A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), apresentada ao mundo através da Resolução ONU nº 217-A de 10 de dezembro de 1948, como descrito por RODRIGUES (2009, p.139), definiu em seu artigo 3º que “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” Dessa forma, o direito à segurança pessoal é algo inato ao indivíduo e é essencialmente ligado a outros direitos, uma vez que só se pode garantir a vida, a liberdade e a propriedade proporcionando-se segurança.
- Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966: O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, via Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas de 19 de dezembro de 1966, foi um pacto de amplitude mundial que passou a vigorar em 1976 quando atingiu o número mínimo de adesões estipulado. Em seu preâmbulo estabelece que ‘o ideal do ser humano livre está unido no gozo das liberdades civis e políticas. Para tanto, o Estado deve criar as condições para assegurar esses direitos’. Em seu artigo 9º, parágrafo 1º, define que “Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais” (BRASIL, 1992). Observa-se novamente o uso da palavra “liberdade” como primeiro fundamento que o Estado deve considerar.
O Conceito de Segurança no Brasil
O conceito legal de Segurança Pública e Pessoal no Brasil é dado pela Constituição Federal de 1988 e também por legislação extravagante.
Constituição Federal de 1988
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
(BRASIL, 1988).
A definição de Segurança Pública dada pela Constituição Federal de 1988 foi, no mínimo, rasa, para não dizer catastrófica pelos seguintes motivos:
- O primeiro ponto catastrófico sobre essa definição é que, a princípio, Segurança Pública parece ser apenas um problema das instituições policiais, o que é enganoso. É possível notar essa inverdade, por exemplo, no caso que tomou notória repercussão nos noticiários, do indivíduo Lázaro Barbosa de Sousa, que mesmo tendo praticado diversos crimes violentos, segundo Secretaria de Estado da Segurança Pública do Estado de Goiás, como homicídios, estupro e roubos, tendo sido preso várias vezes, ou seja, um sujeito de extrema periculosidade, ainda assim foi posto em liberdade. Nota-se, pela quantidade de vezes em que foi preso, que as policias cumpriram seu papel constitucional, porém, ainda assim, é impossível afirmar que a Segurança Pública foi garantida pelo Estado à sociedade brasileira. Claramente, todos esses crimes praticados por ele após ter sido posto em liberdade pela primeira vez não foram devido a falha de qualquer instituição listada no artigo 144º da Constituição Federal. Portanto, fica evidente que a Segurança Pública não é tão somente um problema policial.
- Pior ainda, o segundo ponto catastrófico sobre essa definição é a ideia de que o único objetivo da Segurança Pública é manter a ordem, ou seja, evitar o estado de anomia ou anarquia, e ainda passando a falsa ideia de que o Estado será o garantidor exclusivo da segurança pessoal dos indivíduos, que como veremos a frente, não se confunde com Segurança Pública. Adiante, no tópico 2.3 A INCAPACIDADE DO ESTADO EM PROTEGER A TODOS, será exposto o quão falsa é essa ideia, inclusive tal incapacidade reafirmada pelo próprio Estado. Ao limitar a Segurança Pública a apenas isso, desimpede-se que toda sorte de legislação- seja ela lei, portaria, decreto, etc- visando garantir esse conceito de ordem pública seja criada, de forma a atacar as liberdades individuais.
Legislação Extravagante
Além da própria Constituição Federal de 1988, temos também algumas legislações infraconstitucionais sobre Segurança Pública e Pessoal no Brasil.
Impende mencionar o Decreto 3.897 de 2001, que em seu artigo 3º prevê o uso legal das forças armadas em território nacional para garantia da lei e da ordem em determinados contextos. Portanto, nota-se que as forças armadas podem ser empregadas não somente em sua função convencional de segurança externa do país, como também em próprio território nacional, conforme prevê a Lei complementar n.º 97 de 1999, em seu artigo 15º, parágrafo 5º que estabelece o emprego das forças armadas na Defesa da Pátria, Garantia dos Poderes Constitucionais, e, conforme já mencionado, podendo ser empregada para a Garantia da Lei e da Ordem.
Cabe mencionar também, no tocante a legislação infraconstitucional tratando-se de Segurança Pessoal, o Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal Brasileiro, que em seu artigo 25º, cria o instituto da legítima defesa. Nesse sentido, cumpre transcrever: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” (BRASIL, 1940). A legítima defesa é uma das quatro excludentes de ilicitudes definidas no artigo 23º do mesmo Código Penal, onde temos que “Não há crime quando o agente pratica o fato: [...] em legítima defesa; [...]”, ou seja, em caso de incorrer no artigo 121º do mesmo, por exemplo, isto é, “matar alguém”, poderá ter a ilicitude do seu ato excluída de acordo com o caso concreto, ou seja, se atestado que realmente agiu em legítima defesa. Ao realizar a leitura desses dispositivos legais, cabe conceituar os critérios mencionados para que se configure a legítima defesa. Dessa forma, SALIM (2014, p.258-261) ensina que:
- Agressão: Conduta humana que expõe a perigo ou lesa direitos. [...] Matar animais para se proteger não configura legítima defesa, mas pode configurar estado de necessidade. Isto porque não existe agressão humana. Entretanto, se o animal for açulado por alguém, pode configurar legítima defesa, pois nesse caso existe uma agressão humana;
- Agressão injusta: É apurada de forma objetiva, independentemente da consciência da ilicitude do agressor. Predomina na doutrina que o inimputável pode praticar uma agressão injusta, mesmo não tendo consciência desta injustiça;
- Agressão atual e iminente: Agressão atual é a que se encontra presente. Iminente é a que está prestes a acontecer. Cessada a agressão, não há que se falar mais em reação (repulsa) por parte do agressor;
- Defesa de direito próprio ou alheio: Direito abrange qualquer bem tutelado pelo ordenamento jurídico;
- Meios necessários: Meio necessário é aquele que está à disposição do agredido e que menor dano causará. Se não houver a possibilidade do meio que menor causará, será necessário aquele disponível pelo sujeito no momento da agressão;
- Uso moderado: Uma vez escolhido o meio necessário, seu uso deve ser moderado, ou seja, o suficiente para repelir a agressão.
Portanto, o reconhecimento do instituto da legítima defesa na forma de segurança pessoal necessita do preenchimento dos fatores acima.
A incapacidade do Estado em Proteger a Todos
Em construção!
Publicado em 11/10/2024 pela Equipe Central de Armas
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